O celular da jornalista Roberta Gomes não para de vibrar desde que o presidente Jair Bolsonaro fez uma piada homofóbica ao tomar um copo de Guaraná Jesus durante o trajeto até a cidade maranhense de Imperatriz, na quinta-feira, 29. Bisneta do criador do refrigerante de tonalidade rosa, considerado um patrimônio no estado nordestino, Roberta afirma que não consegue acompanhar o volume das mensagens que tem recebido nas redes sociais contra Bolsonaro, que declarou ter virado “boiola igual maranhense” ao ingerir a bebida. Antes de atender a reportagem de VEJA, ela participava de uma live com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), para contar detalhes sobre a história do refrigerante.
“Se Bolsonaro conhecesse um pouco da história, se ele ao menos soubesse que o meu bisavô era admirador do comunismo e repartia os lucros da empresa com os funcionários, garanto que ele não teria nem dado um gole no refrigerante”, disse Roberta. “Dessa forma, ele teria nos poupado de mais uma piada infame. Essa foi uma afronta a todos os maranhenses. Ele se utilizou de um patrimônio imaterial do Maranhão, conhecido por ser uma marca de sucesso nacional, para fazer um comentário homofóbico e completamente desnecessário.”
Roberta está desenvolvendo um documentário sobre a história do bisavô Jesus Norberto Gomes, um farmacêutico ateu que simpatizava com ideais comunistas e que fabricou a fórmula do guaraná na década de 20. Norberto se inspirou numa bebida inglesa para criar a coloração rosa do refrigerante, misturando corantes naturais com cravo, canela, coentro e guaraná. O projeto que contará a trajetória do farmacêutico está inscrito em editais para captar fundos que permitam filmar as passagens de sua vida no Rio de Janeiro, no Recife e em São Paulo. A ideia é lançar o filme em junho de 2021, quando Norberto faria 120 anos (ele morreu em 1963).
A primeira etapa do documentário já foi concluída, com a captação dos depoimentos de Elir Jesus Gomes, avô de Roberta e que está com 85 anos. Elir foi o responsável por documentar a trajetória do pai para impedir a propagação de histórias fantasiosas. A Coca-Cola, detentora da produção do guaraná atualmente, se interessou pelo projeto biográfico e viabilizou a impressão do livreto, que está em sua terceira edição e é distribuído no Maranhão. A jornalista conta que só conseguiu falar nesta sexta-feira com o avô sobre a piada de Bolsonaro. “Ele não se importou. Disse que era bom para dar espaço ao guaraná e porque as pessoas iam ficar sabendo da história de seu pai”, diz.
À sua maneira, Bolsonaro afirmou em uma live no Facebook que tudo não passava de uma brincadeira e pediu desculpas “se alguém se ofendeu” com a sua piada homofóbica. Questionada sobre a chance de incluir o caso no documentário, Roberta é enfática ao rechaçar a possibilidade. “Não entra, não existe nenhum motivo para isso. O filme será para enaltecer a vida do meu bisavô, e o Bolsonaro vai contra tudo que ele defendeu em vida”, declarou.