Editorial de O Estado de S. Paulo (5/1/2020)
Foi-se o tempo em que o ministro da Economia era o esteio do governo federal, especialmente em tempos de crise. Com status privilegiado, o chefe da equipe econômica quase sempre teve autoridade e prestígio para suportar as pressões inerentes a seu cargo, sobretudo porque é dele que se esperam decisões que vão afetar diretamente a vida da maioria dos brasileiros. Hoje não é mais assim.
O presidente Jair Bolsonaro conseguiu a proeza de transformar seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em personagem secundário no jogo de poder em Brasília. Nisso emparelhou com a presidente Dilma Rousseff, que fez de sua equipe econômica uma simples despachante de seus delírios fiscais.
E não se diga que a responsabilidade por esse fiasco é inteiramente do presidente da República e de sua patente incapacidade para estabelecer um rumo para seu governo. O ministro da Economia colaborou decisivamente para seu próprio apequenamento.
Escalado para ser a face racional de um governo que tinha tudo para ser, digamos, excêntrico, o ministro Paulo Guedes frustrou todas as expectativas, graças à sua incapacidade de aceitar o diálogo político, único meio de encaminhar propostas numa democracia. O ministro foi inábil para convencer até mesmo o presidente Bolsonaro de suas ideias.
Hoje, o ministro da Economia luta para retomar o protagonismo num governo claramente propenso a ignorá-lo em favor daqueles a quem Paulo Guedes apelidou jocosamente de “ministros fura-teto”, em referência aos colegas de Esplanada que defendem aumento de gastos.
Não que os projetos de Paulo Guedes sejam muito melhores que os dos ministros que alimentam o populismo bolsonarista – ao contrário, várias soluções apresentadas pelo ministro da Economia desde a posse ou eram gambiarras, como a volta da CPMF, ou eram simplesmente irrealizáveis, como a intenção de zerar o déficit público já no primeiro ano de governo. Mas o fato é que Paulo Guedes hoje “está quase sozinho, isolado, dentro do governo, na defesa da necessidade de se encontrar caminhos respeitando as regras atuais do jogo, começando pelo teto de gastos”, como enfatizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em entrevista ao Valor. Ou seja, o ministro da Economia já não consegue se fazer ouvir num governo que se inclina cada vez mais à demagogia, abandonando promessas de campanha a respeito da responsabilidade fiscal e da reforma do Estado.
A redução da “estatura da equipe econômica”, nas palavras do economista José Roberto Mendonça de Barros em entrevista ao Estado, “é algo raro de acontecer”. Manifestando uma opinião que está longe de ser isolada, Mendonça de Barros disse que “claramente o ministro da Economia e sua equipe perderam espaço no governo” e que “está claro que o ministro perdeu um pouco o rumo das coisas”. Segundo o economista, Paulo Guedes “repete temas parciais, como a CPMF, e não enfrenta o que é relevante”.
Para piorar, lembrou Mendonça de Barros, “todas as propostas da equipe econômica para compatibilizar a retomada do controle fiscal com os desejos do presidente foram sumariamente rejeitadas” por Bolsonaro. Nessa toada, com o presidente deixando todas as decisões importantes para depois das eleições municipais, “vamos chegar a dezembro sem a menor ideia de para qual lado se vai”, e, para piorar, “não temos uma política econômica consistente”.
O diagnóstico não poderia ser mais preciso. O esvaziamento do Ministério da Economia, algo praticamente inédito na história nacional, está na raiz da profunda confusão a respeito do futuro imediato do País. É resultado da soberba do ministro da Economia, que se julgou capaz de revolucionar o Brasil sem precisar combinar nem com o Congresso nem com o próprio presidente, mas é, sobretudo, consequência da transformação do governo em comitê de campanha do presidente Bolsonaro.
Movido por esse espírito, o presidente já deixou claro que ministros que não lhe servirem como dedicados cabos eleitorais serão condenados à irrelevância. O peso dessa decisão arrasta o País para o abismo.