O que os caciques da esquerda pensam sobre o gesto de aproximação de Lula

Em total discrição, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) foi até o Instituto Lula, há dois meses, disposto a ter uma conversa com o seu antigo chefe. O gesto era uma deferência ao governador do Ceará, Camilo Santana (PT), que há tempos tentava uma aproximação entre os ex-aliados.  Não foi uma tarefa fácil. Ciro, que coleciona adjetivos de baixíssima qualidade para nominar o ex-presidente Lula – vão de “líder de falcatruas” a “defunto eleitoral”  – , amarga um profundo rancor por ter sido preterido nas eleições de 2018. A conversa acabou vingando e foi tornada pública apenas recentemente. Os principais setores da esquerda viram o encontro com extrema cautela e, até o momento, não há sinais de que a bandeira branca renderá algum tipo de união no futuro.

Isso porque há, tudo misturado, dúvidas sobre a sinceridade do gesto do ex-presidente em fazer algum aceno a outras forças políticas, cicatrizes ainda abertas e até um certo repúdio a uma reaproximação de Lula.

Presidente do PSB, Carlos Siqueira afirma que “graças a Deus” não foi procurado pelo ex-presidente. A legenda, que se define como de centro-esquerda e é, em tamanho, a segunda maior de oposição ao governo de Jair Bolsonaro, integrou a base dos governos de Lula e Dilma Rousseff, mas rompeu com o petismo após a candidatura de Eduardo Campos à Presidência, em 2014.

No plano municipal, chegou a ser discutida a possibilidade de se formar uma aliança nas principais capitais com partidos de esquerda, como o PT, PSB e PDT. Seria um gesto de união de forças e um aceno para 2022. Lula vetou. “Falamos sobre a necessidade da unidade das forças democráticas para dar uma resposta político-eleitoral ao bolsonarismo. Não vingou porque o PT não quer, porque o lula decidiu”, afirma Siqueira.

Para o pessebista, o esforço em se reaproximar de Ciro Gomes visa minimizar a iminente derrota em 2020. “Estão atribuindo à reunião um peso que ela não tem. Essa reunião, na verdade, é a origem da derrota que o PT vai sofrer e está se antecipando a ela. Não é sentar numa reunião estando pré-derrotado e dizer que está unido. Por que não sentou antes para produzir uma resposta político-eleitoral a uma situação tão grave que nós estamos passando? Seria um sinal concreto, não pode ser um discurso etéreo”, acrescenta Carlos Siqueira.

Presidente do PDT, Carlos Lupi afirma que a reunião serviu para diminuir “o ranço” de Ciro Gomes com Lula. “O PT tirou a eleição dele em 2018, vamos falar a verdade. É do jogo? É. É um pouco do jogo abaixo da cintura. Mas faz parte. O encontro atenuou, isso é verdade”, disse.

Segundo Lupi, a possibilidade de uma aliança entre o PT e o PDT é pequena e remota. Isso porque ambos os partidos sonham em disputar a cabeça de chapa, e considera-se muito baixa a disposição do ex-presidente, que está inelegível, lançar um candidato como vice.

O chefe do PDT ainda afirma que o ex-presidente já não representa mais uma mudança. “O Lula representa uma marca de governo que foi bom para o povo e para o empresário, mas não teve muito compromisso com um projeto de nação. Ou seja: era tudo muito “ano que vem”. E daqui 20, 30 anos? Investiu-se muito na questão na área universitária, por exemplo, mas e no ensino básico, e na creche, que é o que forma a nova geração?”, afirma. “É como falava Getúlio Vargas: o estadista pensa na próxima geração, o carreirista pensa na próxima eleição. É um pouquinho isso. Acho que esse processo que o Lula viveu também tem começo, meio e fim.”

Nos bastidores, o PDT vem mantendo conversas cada vez mais frequentes com lideranças do DEM, como o presidente da legenda, ACM Neto, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em busca de viabilizar uma candidatura mais ao centro nas eleições de 2022. Além disso, PDT e PSB, saíram unidos em oito capitais nestas eleições e também articulam reeditar a parceria nas próximas eleições. Uma aproximação com Lula não faz parte do atual roteiro da parcela mais representativa da esquerda.

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By Tarcila Lisboa

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